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sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Ética no design de embalagens

Por Rodrigo More*

FONTE: http://www.mundodomarketing.com.br/12254,artigos,etica-no-design-de-embalagens.htm

Desde a criação do Comitê de Design da ABRE - Associação Brasileira de Embalagem -, o tema da ética na contratação de serviços de design de embalagem está presente em sua pauta de reuniões. Uma das primeiras ações do Comitê de Design da ABRE foi a elaboração de um código de ética de design de embalagem, que é obrigatório para todos os associados do Comitê e que ao longo dos anos tem sido trabalhado como uma orientação geral de conduta para designers e empresas contratantes de serviços de design de embalagem.

A codificação da ética com a criação de conselhos de ética por associações de classe e, depois, pelas próprias empresas foi um movimento inspirado em temas como a sustentabilidade ambiental, governança corporativa e responsabilidade social corporativa. O “ser ético” passou a ser um valor adicional à própria expectativa natural do agir eticamente, ou seja, agir de forma ética e propagar valores éticos passou a representar valores adicionais para a imagem de profissionais e de empresas, que se obrigavam não mais por indicadores morais, mas por códigos, contratos de conduta escritos. Em outras palavras, as razões para codificação da ética tiveram um viés econômico e outro jurídico.

Sob o ponto de vista econômico, o compromisso ético e a responsabilidade social corporativa associaram-se à teoria de marketing e se tornaram importantes elementos de percepção sobre marcas e serviços tanto pelo mercado quanto por consumidores, além de adicionar um extra à relação da empresa com seus stakeholders, acionistas ou não.

Sob o ponto de vista jurídico, criaram-se dois tipos de código de ética: a) códigos de ética com regras jurídicas obrigatórias, que vinculam as empresas aderentes a um órgão externo independente e que estão situados dentro do conceito de autorregulação (i.e. Conar); e, b) códigos de ética internos das empresas, cuja redação se pauta por declarações de conteúdo
“moral” e, portanto, longe de ser uma obrigação jurídica vinculante para a empresa, ou declarações que “assumem” compromissos que apenas traduzem obrigações já previstas em lei, como “contra o trabalho infantil”, “respeito ao trabalhador” ou “contra a discriminação racial”, além de dispositivos que traduzem condutas comerciais consolidadas secularmente como “respeito e satisfação do cliente”.

Ao se constatar que a maioria dos códigos de ética, com raras exceções, propagandeiam o óbvio, enaltecendo uma conduta de valor genérico que se espera de uma pessoa íntegra, o que está escrito na lei ou o que se consolidou secularmente na prática do comércio, surge a pergunta: em que medida os códigos de ética ou conduta podem ser exigidos das empresas, independentemente da empresa estar vinculada a algum órgão externo de autorregulação?

No mundo corporativo, especialmente no Brasil, a ética não se basta como virtude voluntária para ser praticada, tem de ser protegida e exigida por lei. É assim com a chamada ética concorrencial, que ataca a sonegação de impostos, e deve ser assim com a ética na tomada de decisões e contratação de serviços.

Neste contexto, por obrigação legal baseada num princípio universal de respeito à dignidade humana, um produto não deve conter partes ou serviços decorrentes do trabalho escravo, trabalho infantil ou não remunerado, por exemplo. Ao exigir que seus prestadores de serviços aceitem e cumpram estas regras universais, as empresas, sem dúvida, contribuem de forma relevante para a construção de uma sociedade mais justa, mais equilibrada, duas das vertentes da responsabilidade social e da sustentabilidade que muitas defendem.

Há, contudo, um momento anterior dentro deste mesmo círculo de virtudes que está corrompido: a relação da empresa com seus prestadores de serviços. Uma grande zona cinzenta dentro de casa.

Fora de casa, os códigos de ética e seus reflexos econômicos fizeram surgir uma cláusula padrão nos contratos comerciais e civis, a partir da qual as partes se comprometem a “cumprir as regras de proteção do trabalho infantil e de menores, adotando todas as medidas destinadas a coibir a utilização de mão-de-obra proibida e a reprimir o eventual descumprimento, por terceiros que com ela contratem, das normas de proteção ao trabalho infantil e de menores”, dentre outras fórmulas de proteção ao trabalho e da dignidade humana.

Dentro de casa, contudo, há um evidente distanciamento desta ética universal. A contratação de serviços frequentemente não segue qualquer parâmetro ético. O alvo é sempre a redução de custo, inclusive ao preço da ética. Evidentemente, não se trata de uma conduta antiética voluntária por parte das empresas, seus funcionários e dirigentes, mas de uma falta de direcionamento ético e de verticalização da ética codificada em direção à ética praticada.

Na célebre obra “Ética a Nicômaco”, o filósofo grego Aristóteles (384 a.C – 322 a.C) definia a ética como uma virtude moral voluntária dos indivíduos em direção ao bem. Derivada do grego ethos, ética significa “modo de ser”, “caráter”. Como a ética não é produto do acaso, mas uma escolha consciente e voluntária que se equilibra no mediano, não nos extremos, a ética pode ser ensinada e esta é a razão de ser dos códigos de conduta. O desafio é tirar a ética do papel e dar-lhe aplicação prática, especialmente dentro de casa.

O descuido com a ética na contratação de serviços está fomentando a fabricação de produtos eticamente viciados que, ao violarem os códigos de conduta das próprias empresas tomadoras, desrespeitam os profissionais prestadores, que acabam por se submeter a condições antiéticas de concorrência e degradação profissional em cadeia.

Nas companhias abertas os efeitos negativos de tais condutas antiéticas são mais graves, projetando-se sobre os stakeholders e o mercado, e ferindo princípios de boa governança corporativa. Em resumo, os valores propagandeados das empresas externamente não refletem suas condutas dentro de casa.

No setor de embalagem, mais precisamente no segmento de design para embalagem, as empresas tomadoras de serviços, que em sua grande maioria contam com códigos de ética ou de conduta, inadvertidamente fomentam práticas concorrenciais antiéticas e desleais entre agências de design e freelancers. E o descuido pelos prestadores de serviços é recíproco, criando-se um círculo vicioso em torno de comportamentos antiéticos que, num prognóstico nada otimista, fará desaparecer a profissão de “design de embalagem” em curto espaço de tempo, se medidas corretivas não forem adotadas.

As práticas antiéticas no segmento de contratação de design de embalagem podem ser resumidas em duas situações: a) a contratação de design de embalagem em “concorrência sem remuneração”, que inclui a hipótese de remuneração irrisória (quase inexistente ou pro forma); e, b) a contratação de design de embalagem como valor “embutido” em proposta mais abrangente de serviços.

Ao pesquisarmos o código de ética ou de conduta empresarial de cinco grandes empresas brasileiras dos setores de petróleo, petroquímica, mineração, telefonia e alimentos, encontramos em todos eles regras de conduta que, se observadas, inibiriam ambas as situações experimentadas pelo segmento de design de embalagem. Se a ética é uma regra codificada, deve ser cumprida.

Segundo os códigos pesquisados, a contratação de design de embalagem em “concorrência sem remuneração” ou por remuneração irrisória, também entendida como uma remuneração pro forma, incentiva a concorrência desleal, desmerece critérios técnicos dos serviços e coloca em risco direitos inalienáveis dos autores das obras que se vêem obrigados a exporem suas ideias sem a devida proteção legal.

Já a contratação de design de embalagem como valor “embutido” em proposta mais abrangente de serviços, ainda segundo os códigos pesquisados, relega os serviços de design a um segundo plano, fere a dignidade da profissão e mascara elementos de concorrência desleal ao permitir que se ofereçam vantagens indevidas disfarçadas ou “embutidas” em propostas antiéticas e mais abrangentes de serviços.

A ética em sentido amplo e a própria lei proíbem condutas como estas, seja por empresas seja por designers de embalagem. Se não existe ética, são reciprocamente falsas entre empresas e designers as premissas de sustentabilidade ambiental, boa governança corporativa e responsabilidade social corporativa. É preciso defender o design ético e a ética em sentido amplo.

O design agrega valor estético aos produtos, diferencia marcas, empresas e funciona como instrumento de estratégia de mercado, gerando competitividade e beneficiando o consumidor com preços, quantidades e qualidades distintas de produtos em todas as classes sociais. Sim, design de embalagem está intrinsecamente ligado a livre concorrência e ao respeito ao consumidor.

Além de estético (visual), a decisão de consumo baseia-se numa série de outros estímulos sensoriais que incluem critérios de comodidade, praticidade e conforto de utilização que são potencializados pelo design da embalagem.

Até mesmo a logística de transporte é determinada a partir do design da embalagem: maior eficiência logística significa menores custos e preços finais mais competitivos. Ganham novamente o consumidor e a sociedade; gera-se melhor renda, mais impostos e mais empregos. Isto não é evidência suficiente da prática daquilo que se denomina responsabilidade social?

O designer de embalagem é um profissional inovador, é um elo entre a idéia, a tecnologia e a realização. Inovação importa em técnica para a produção de resultados sustentáveis, inclusive sob o ponto de vista ambiental, este talvez um dos mais importantes papéis sociais desempenhados pelo profissional do design de embalagem. Se uma embalagem é ecologicamente sustentável, é porque um designer, ao lado de outros profissionais especializados, desenvolveu um desenho compatível com os materiais, a tecnologia e a matéria-prima mais adequada para proporcionar uma embalagem segura, confortável, bonita além da segurança ecológica. É preciso defender o design ético como um design legal.

Os códigos de ética não são mais um simples conjunto de parâmetros morais de conduta sem qualquer vinculação jurídica. Se a ética tem expressão econômica, se reflete na percepção de valor das empresas, se têm influência sobre o mercado, deve ser considerada como princípio de referência para avaliação, inclusive, de órgãos reguladores como o CADE e a CVM.

Assim, o que torna os códigos de ética um conjunto de obrigações jurídicas vinculantes é sua natureza de declaração unilateral de vontade, ainda que sua redação seja propositalmente ambígua. E como declarações unilaterais de vontade, uma vez emitidas, sua obrigatoriedade não depende mais de quem as emitiu, mas unicamente da recepção, da tomada de conhecimento por quem quer que seja.

A ética para ser exigida da empresa, não depende desta estar vinculada a um órgão externo de autorregulação. A ética pode ser exigida judicialmente, funcionando inclusive como elemento de prova para violações de condutas éticas tipificadas em lei, como a concorrência desleal.

Finalmente, a boa notícia é que há um evidente avanço teórico e prático na discussão de temas relacionados à ética nas relações corporativas. Em alguns setores, como o de publicidade, a autorregulamentação mostrou-se eficaz, num modelo que alguns outros setores entenderiam para si como uma improvável combinação de elos da cadeia: anunciantes, veículos de comunicação e agências fizeram do Conar (1978) um case ético de sucesso. No Instituto Ethos (1998), há 10 anos se fomenta a ética em torno da sustentabilidade e da responsabilidade social.

O Comitê de Design da Associação Brasileira de Embalagem (Abre) segue indicadores de sucesso, num caminho longo e difícil de conscientização sobre ética nos negócios de design de embalagem. A participação e a vivência da ética por parte das empresas associadas será importantíssima neste processo; a adesão de novos associados, imprescindível; e a conscientização das empresas um elo necessário para tornar toda a cadeia forte, coesa e unida em torno da ética negocial.

* Rodrigo More é Doutor em Direito pela USP, Especialista em embalagens e sócio de More & Benevides Advogados, em São Paulo.

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